A resolução que unifica diversas normas e moderniza a indústria de fundos traz oportunidades e desafios para gestores e administradores
As mudanças importantes para a indústria de fundos de investimentos, instituídas com a Resolução CVM 175/22, ainda estão sendo analisadas e digeridas pelos participantes do mercado. Publicada em 23 de dezembro do ano passado pela autarquia, a Resolução 175 dispõe sobre a constituição, o funcionamento e a divulgação de informações dos fundos de investimento, bem como sobre a prestação de serviços para os fundos, revogando uma série de normas anteriores (como a Instrução 555/14 e outras 37 normas). Alguns pontos da nova regulação de fundos ainda demandam esclarecimentos do regulador, assim como provocam um amplo debate sobre as consequências do novo ordenamento jurídico no dia a dia de gestores e administradores.
Muitos destes pontos sensíveis da nova regulação foram debatidos em evento promovido pela Vórtx com a presença do diretor da Comissão de Valores Mobiliários, Alexandre Rangel, além de André Wakimoto, do Cepeda Advogados, e Rubens Vidigal Neto, do Vidigal Neto Advogados.
Uma das novidades importantes é o limite de responsabilidade dos cotistas, em caso de perda superior ao patrimônio do fundo. Essa inovação ainda precisa que se crie uma jurisprudência sobre o tema, conforme explica Rangel, da CVM. “Temos um vácuo de norma preenchido pela 175, e o judiciário em algum momento vai ser chamado a se manifestar sobre o tema, os limites de responsabilidade dos cotistas que a 175 torna claro”, comenta o diretor lembrando que na visão do órgão regulador os fundos de investimentos, em que pesem tenham CNPJ, não têm personalidade jurídica. “O fundo segue como um condomínio de natureza especial e agora toma emprestado soluções dos tipos societários clássicos em que há limitações de responsabilidades, o que não havia antes. A modulação agora é importante.”
Ao comentar a importância dos limites de responsabilidades dos cotistas, estabelecidos na RCVM 175, Guilherme Cooke, CRO da Vórtx e mediador do encontro, também destacou a preocupação com interpretações do judiciário e destacou outra novidade, a segregação de classes em um mesmo fundo. “Neste novo mundo de patrimônio segregado, com a constituição de diferentes classes com algum risco de contaminação, a indústria precisa pensar em como se defender para evitar interpretações equivocadas do judiciário”, comenta o executivo da Vórtx.
Cauteloso, Rangel fez um alerta sobre a segregação patrimonial. “Não há pretensão de que a 175 tenha criado uma limitação de responsabilidade acima de outras que já existem e reconhecidas pelo judiciário. Quando o gestor mistura os caixas, ativos e passivos, ele está assumindo risco. Esta mensagem é importante.”
Rangel acrescentou, quando questionado sobre encargos dos fundos, que taxas de gestão, distribuição e administração elencadas como encargo do fundo podem ser pagos diretamente pela conta da classe, sem necessidade de recursos transitarem pela conta do fundo. “A CVM cuidou para não ser muito prescritiva. Ter uma conta do fundo ainda é importante para rateio de despesas comuns entre as classes. E tudo bem documentado, para ter fundamento em caso de questionamento.”
O diretor da CVM esclareceu que o arranjo das classes precisa ser visto como uma forma de organização dos ativos. “A decisão racional, segura e fácil de se defender, ao meu ver, é entender e estruturar produtos em que coexistam diferentes classes, desde que tipificadas em mesma categoria de fundos. Estamos cientes de que tem risco até que se forme uma cultura jurídica em torno da nova regulação”, comenta Rangel acrescentando que é importante observar que os ativos, além de serem de uma mesma categoria, com mesmo objetivo e sem risco de contaminações, não prejudiquem o tratamento tributário de outras classes.
A possibilidade de criação de subclasses de cotas em um mesmo fundo, significa, em teoria, que as gestoras não precisarão criar quatro ou cinco veículos diferentes para plataformas diferentes. Basta separar o patrimônio de cotistas que desejem seguir uma mesma estratégia dentro de uma única classe, que funcionará como um guarda-chuva para todas essas subclasses (como os fundos feeders e espelhos atuais) diferentes. Os produtos poderão ter público-alvo, prazo de resgate e taxas diferentes. Esta nova estrutura de classes e subclasses terá um prazo maior de adaptação para as casas, entrando em vigor somente em abril de 2024.
Na visão de Rubens Vidigal, sócio do Vidigal Neto Advogados, o desenvolvimento de fundos multiclasse pela indústria depende tanto de questões fiscais como jurídicas. “A tendência é começar com um fundo de baixo risco e, com o tempo e o amadurecimento do arcabouço fiscal, evoluir para outros multiclasses.” Sobre os aspectos legais, destaca Vidigal, criar jurisprudência sobre os pontos será importante, diz, elogiando o trabalho da CVM. “A entidade atua como amicus curie (amigos da corte) junto ao Judiciário participando de processos e dando subsídio técnico para o judiciário.”
Os novos instrumentos de gerenciamento de liquidez também marcaram o debate promovido pela Vórtx. O principal deles é o side pocket, criado como ferramenta para lidar com a iliquidez de parte dos ativos de um determinado fundo. “Vai proteger a indústria ao permitir que peguemos um ativo podre, que faz parte da carteira de um fundo, e coloquemos em outra classe separada e com os mesmos cotistas, mas que não é permitido resgatar” explica Cooke. “Melhora e reduz o impacto de eventual iliquidez no fundo.”
O sócio do Cepeda Advogados, André Wakimoto, fez um alerta sobre tributação e side pocket. “É preciso considerar que quando uma classe aberta de fundo precisa fazer o side pocket, que é fechada, tem que considerar o tema tributário, o come-cotas”, ponderando que “a prática hoje pode ser inviável enquanto a parte tributária não for definida”.
O diretor da CVM, questionado sobre a possibilidade de uso excessivo de instrumentos como o side pocket, afirmou que os novos instrumentos e arranjos de liquidez replicam modelos de outros países que possibilitam ao gestor maior protagonismo na hora de definição pelo uso dos arranjos ou não. “Entendemos que os prestadores de serviços essenciais (gestores e administradores) têm maior capacidade de tomar decisão de fazer um side pocket. Não podemos partir do pressuposto que alguns vão usar equivocadamente. É um bom instrumento. O dever de casa para os prestadores de serviço é construírem cláusulas e arranjos que deixem claro estes gatilhos.”